Analisar a situação do digital em tempos de crise só pode começar da seguinte forma: as coisas estão complicadas no mundo.
Um vírus, com origem no outro lado do globo, numa cidade que não conhecemos e cujo nome é difícil de pronunciar, espalhou-se por todo o mundo de uma forma assustadora. Ameaçou a saúde pública, paralisou a economia e mudou o estilo de vida de cada um de nós. Inesperadamente, o optimismo que alimentava o imaginário de uma sociedade que saía a toda a velocidade de uma profunda crise económica, deu lugar a uma ameaça invisível que nos prendeu em casa, nos isolou de quem mais amamos e que tornou perigoso até um simples passeio com o cão. Como resultado, a tão desejada recuperação económica que nos permitia sonhar com o sucesso dos nossos projectos foi destruída, em poucos dias, por uma pandemia mundial que colocou em causa a sobrevivência da espécie humana.
Em suma, os mercados financeiros entraram em colapso. Os países encerraram fronteiras. As escolas e instituições fecharam portas ou reduziram a sua actividade ao mínimo. As superfícies comerciais ficaram sem stock de produtos essenciais e tiveram, rapidamente, de fortalecer a sua cadeia de abastecimento para garantir a alimentação da população. Toda a indústria do lifestyle, simplesmente, parou e deixou, dessa forma, no vazio uma sociedade que se define pelos seus hábitos de consumo, seja pelos restaurantes que frequenta, pelas roupas que exibe ou pela cultura a que acede.
2020 e 2021 serão, para muita gente, anos perdidos e para esquecer. Mas não é assim que eu vejo as coisas. Existe, aliás, outra forma de olhar para o problema. Uma forma, por certo, mais positiva e construtiva que se foca nas oportunidades que a pandemia criou. A imprevisibilidade característica do cenário actual é o ecossistema perfeito para uma mudança radical na forma como fazemos as coisas. É, com toda a certeza, um convite a um planeamento mais ponderado, com ciclos mais curtos e com objectivos mais realistas.
A falência dos métodos tradicionais e o ofuscamento do mundo físico, obrigam a que o mercado explore, de forma massiva e sustentada, novas formas de trabalhar e comunicar. A transversalidade da crise pandémica cria, assim, um sentido de urgência generalizada pela inovação e pelo desenvolvimento de soluções para o problema. A oportunidade para se fazer diferente está criada. Estamos todos no mesmo ponto de partida.
Mais do que nunca, o Marketing está a ser chamado a desempenhar um papel preponderante no sucesso das organizações. Inegavelmente, o mundo mudou e as empresas precisam de se adaptar, rapidamente, aos novos desafios e repensar o digital em tempos de crise. Nesse sentido, é preciso repensar negócios, produtos, estratégias de comunicação, processos de trabalho e formas de organização. Temos de dar um passo efectivo e decisivo em direcção à digitalização. É fundamental entrar, definitivamente, no século XXI. A digitalização será, certamente, o próximo grande desafio da sociedade e o Marketing é a área de competências chave para o sucesso deste processo.
O digital é mais do que tecnologia. A tecnologia existe, está desenvolvida e é acessível de forma massificada há, pelo menos, uma década. Não é difícil criar computadores mais poderosos ou redes mais rápidas, nem tão pouco aplicações mais complexas ou softwares mais competentes. O desafio será aproximar as pessoas desse potencial instalado e ajudá-las a tirar dele o maior partido possível. Em suma, o desafio é a comunicação.
2020 teve o mérito de evidenciar de forma muito clara, talvez até cruel, esta realidade. Assim, em tempos de crise, quem não está no digital não existe. E apesar da altíssima taxa de penetração que o digital tem na nossa sociedade, é chocante a taxa de iliteracia digital que ainda permanece e preocupante o quão longe ainda estamos de fazer um bom uso do potencial que temos ao nosso alcance. Parece um exagero, mas a maior parte das empresas portuguesas ainda não ultrapassou a primeira meta da digitalização: estar online de forma coerente e consistente.
A minha esperança é que estejamos num ponto de viragem na história do homo sapiens, mas tenho, óbviamente, o cepticismo de quem olha em seu redor e não vê pessoas capazes de aprender com os seus erros e de mudar a forma como faz as coisas. Na verdade, o que mais me revolta em toda esta situação é que ela apanhou desprevenida toda a gente. Surpreendentemente, ninguém estava preparado. Afinal, é consensual entre especialistas que pandemias como esta são inevitáveis e tornar-se-ão cada vez mais frequentes.
Primeiramente, a SARS matou mais de 800 pessoas em todo o mundo, em 200. Tememos o pior com o H5N1, a gripe das aves, em 2005. Em 2009, foi a vez do H1N1, a gripe suína. Entretanto, em 2018, o ébola assolou o continente africano. Mas mesmo assim não foi suficiente. Não aprendemos com a história. Não soubemos ler os sinais. Onde estavam os gurus, os especialistas e os grandes líderes quando chegou a Covid-19? É altura de mudar a forma como fazemos as coisas, de implementar com rigor e seriedade as buzzwords que se escrevem em livros e dizem em conferências. É fácil liderar quando corre tudo bem e o mercado está em crescimento. Mas é em alturas como estas que conseguimos separar o trigo do joio e perceber quem está empenhado em fazer avançar o mercado.
Foi necessário um confinamento geral obrigatório para que as empresas percebessem que o digital não é uma moda nem uma tendência, mas sim uma realidade inegável. Profissionais como eu e agências como a The Agency têm vindo a fazer a sua parte, ao longo dos tempos, a evangelizar os líderes empresariais e os profissionais de Marketing das organizações para a inevitabilidade do digital. Mas por muito tempo, poucos quiseram escutar e menos decidiram agir. Inegavelmente, o digital deixou de ser uma promessa e passou a ser a única solução.
As pessoas ficaram fechadas em casa. As lojas físicas foram obrigadas a encerrara As indústrias mais dependentes do presencial ficaram à beira do precipício e, mesmo assim, os estudos indicam que os investimentos em anúncios digitais apenas aumentaram 1,3% em 2020. Pensem bem nisto, apenas num ano, registamos um aumento de mais de 11% de utilizadores de social media e crescimentos na ordem dos 20% nas compras online em categorias como moda, retalho alimentar e mobiliário. Mas o investimento em anúncios digitais em vídeo descresceu 0,6%, a compra de banners caiu 3,4% e o investimento em anúncios search teve o tímido aumento de 3,6%. É ridículo.
Dir-me-ão que estamos a atravessar uma crise e que a capacidade de investimento das empresas decaiu, mas nada disso é verdade. A Covid-19 é uma crise sanitária, não uma crise económica. O ambiente económico está incerto, óbviamente, estamos a atravessar uma pandemia à escala global, mas a maioria das pessoas manteve os seus rendimentos e aumentou os seus níveis de poupança. A generalidade das empresas não conseguiu gastar os seus orçamentos para marketing e publicidade. Basta pensar no merchandising de loja que não se produziu, nos anúncios de tv que não se realizaram e nos festivais de verão que não aconteceram. Por que razão, em tempos de crise, esse dinheiro não foi massivamente canalizado para o digital? A resposta é simples: porque a generalidade das empresas nunca teve, e ainda não tem, uma estratégia digital definida.
Para quem está no mercado, é fácil de constatar esta realidade. Basta analisar quantas empresas lançaram websites de ecommerce à pressa e constatar o crescimento meteórico de empresas como a Zoom, que fornecem soluções de trabalho remoto. O mundo como o conhecemos hoje, não existia antes da pandemia. Foi criado como resposta a um problema que não se previu por pessoas que não estão preparadas para o fazer, simplesmente porque não acreditam no processo.
Para todos vocês que estão a ouvir isto, vocês são a esperança do digital. Não assumam que todos os profissionais, e que todas as empresas, têm o mesmo awareness e convicção que vocês, porque isso não é verdade. Vocês estão numa posição privilegiada face à vossa concorrência. Vocês acreditam no digital. Querem saber mais sobre temas como ecommerce, social media, trabalho remoto, digitalização, recruitment marketing e outros temas que a maior parte das pessoas julga futuristas. Estes tempos de crise, são ideais para explorarem o digital e para se distanciarem da concorrência.
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